Por: Estevan Portela
Durante vários anos um dos temas mais discutidos na sociedade eram a reforma da previdência e reforma trabalhista.
Quanto a esse assunto, minha opinião é a seguinte: em uma equação matemática onde as saídas são maiores que as entradas, nunca o saldo ficará positivo.
Quero dizer que o problema central dessa questão não é o envelhecimento da população com o aumento da expectativa de vida, mas sim as infindáveis exceções existentes onde, de um lado existem grupos que recebem benefícios integrais e vitalícios, sem que as contribuições sejam proporcionais; outros que recebem benefícios sem contribuir e uma grande massa que contribui por toda uma vida pelo teto e, quando se aposenta, recebe um benefício que mal dá para sobrevivência. Isso, sem mencionar os casos de fraudes no INSS que, diariamente, vemos nas notícias dos telejornais.
Diante desse cenário, há vários anos aderi a uma previdência privada e que até quando puder, contribuirei para garantir uma velhice digna para mim e minha esposa.
Falando da reforma trabalhista, após um longo caminho para sua aprovação, alguns temas me surpreenderam positivamente, como a regulamentação do home office e a queda da obrigatoriedade da contribuição sindical.
Sem polemizar sobre o assunto, concordo com a queda da obrigatoriedade da contribuição sindical, pois entendo que nenhum cidadão deveria ser obrigado a contribuir com nada e ter o livre arbítrio. Quando entendemos que algo é benéfico para nós, contribuímos espontaneamente, como fazemos na igreja, entidades filantrópicas, entre outras iniciativas que participamos a todo momento.
Portanto, se percebermos que os sindicatos nos representam de fato, não somente como um braço de um partido político, mas sim como representantes de uma categoria, com certeza haverá muitas contribuições espontâneas. Infelizmente estão falando novamente em tornar a contribuição sindical obrigatória. Acho isso um retrocesso.
Entendo que o termo “reforma trabalhista” não é a palavra mais adequada, pois muitos definem trabalho e emprego como sendo a mesma coisa. Porém, ao analisar mais detalhadamente seus significados, observamos que são diferentes.
Em uma breve pesquisa ao dicionário, podemos entender que:
Trabalho é qualquer atividade física ou intelectual, realizada por ser humano, cujo objetivo é fazer, transformar ou obter algo. O trabalho é mais do que um instrumento criador de riqueza, conforme aprendido na faculdade de economia. Além do valor intrínseco, serve também para expressar muito da essência do ser humano e está intimamente relacionada à personalidade.
Por outro lado, o Emprego é a relação estável, e mais ou menos duradoura, que existe entre quem organiza o trabalho e quem realiza o trabalho. É uma espécie de contrato no qual o possuidor dos meios de produção paga pelo trabalho de outros, que não são possuidores do meio de produção.
Portanto, o termo deveria ser reforma nas leis do “emprego”. Tudo isso pode parecer semântica, mas acredito que as relações de trabalho estão em constante mutação ao longo dos tempos e não somente aqui no Brasil, mas em todo o mundo. Fora do Brasil, essas transformações vêm acontecendo de forma mais acelerada, pois em alguns países as leis trabalhistas são mais flexíveis.
Segundo a história descreve, trabalho existe desde o momento em que o homem começou a transformar a natureza e o ambiente ao seu redor, fazendo utensílios e ferramentas, caçando e tratando da terra para o seu sustento e de sua família. Já o conceito de emprego começou com a necessidade de organizar o trabalho, principalmente quando envolve muitas pessoas e processos.
Muitos acreditam que, com o avanço das novas tecnologias de computadores e telecomunicação, as relações econômicas entre empresas, empregados, governos, países, idiomas, culturas e sociedades estão mudando.
A Pandemia acelerou um movimento que vinha acontecendo em várias empresas pelo mundo, com a possibilidade de se trabalhar de qualquer lugar do mundo, através do tele-trabalho. O distanciamento social obrigou as empresas a se adaptarem com esse novo modelo e agora que a pandemia se foi, alguns trabalhadores se recusam a voltar ao escritório físico.
Esse novo modelo fez com que muitas empresas reavaliassem suas estruturas hierárquicas e tornando os processos de decisão e controle mais enxutos e rápidos, usando o computador para desempenhar funções que antes eram realizadas por pessoas, integrando todas as equipes de trabalho independentemente de onde estiver sediada. Agora, qualquer funcionário, em qualquer ponto dentro da empresa ou até fora dela, pode acessar as informações necessárias para desenvolver suas atividades.
Li um livro, há alguns anos, que exemplifica essa situação chamado “O mundo é plano” de Thomas L. Friedman. A obra foi publicada em 2005, mas até hoje continua mais atualizada do que nunca. Nesse livro, são mencionadas as dez forças que “achataram o mundo” – termo utilizado pelo autor para explicar como a concorrência transcende as fronteiras dos países. Ele relaciona a esse fato todas as mudanças que ocorreram nos últimos anos, como a conectividade, comunidades digitais, códigos de softwares livres, conhecimento compartilhado, terceirização, redes sociais e o crescimento da mobilidade, entre outros pontos interessantes, que integrados transformam profundamente o mundo.
Um dos diversos exemplos mencionados no livro são as centrais de atendimento na Índia, onde um atendente em Bangalore fala com um americano em Manhatthan, como se estivesse na mesma cidade e falando um inglês como se fosse nativo. Essas empresas chegaram a um nível de especialização que transcende qualquer distância física e cultural.
Muitos podem pensar que sou favorável a terceirização ou redução dos salários. Quem me conhece, sabe que não penso assim, mas sou um grande defensor da livre concorrência de mercado, com qualidade, produtividade e eficiência. Também acredito que quem forma o preço é o mercado e, portanto, quem não adequar seus custos de forma competitiva, não sobreviverá à concorrência do mercado.
Atualmente no Brasil, os encargos trabalhistas correspondem, em média, a quase 45% do total pago pelo trabalho por empregados fixos em período integral. Em determinadas situações e faixas salariais, esses encargos podem chegar a 100% dos salários pagos. Isso faz com que, na maioria das empresas, a mão de obra passe a ser um dos principais componentes de custos, fazendo com que essas passem a estudar constantemente formas para automatização ou redução de suas estruturas, para terem a agilidade frente à concorrência.
Em um cenário de crise no Brasil onde as empresas precisam competir, não somente com outro empresário no final da rua, mas também com alguém que está do outro lado do planeta para sobreviver e manter pelo menos uma parte do emprego, começamos a entender o motivo pelo qual os empresários tomam essa atitude.
Além dos salários e encargos sociais, fazem parte dos custos de um produto ou serviço, a infraestrutura utilizada, como móveis, ar-condicionado, estacionamento, locomoção, refeição e até o cafezinho.
Diante de tudo isso, cada vez mais vemos empresas mantiveram o chamado Home office, por meio do qual os colaboradores são autorizados a trabalhar de casa, para atividades que somente necessitam de uma infraestrutura de computadores e o conhecimento do colaborador.
Dessa forma, tanto empresa quanto colaborador ganham. Ela, com a redução de seus custos, e o trabalhador com melhoria na qualidade de vida. Quem não gostaria de trabalhar no conforto de seu lar? Ainda mais aqui em São Paulo, que ficamos um terço de nossos dias no trânsito ou dentro de um transporte público lotado.
É fato que são poucas as profissões que têm esse privilégio e que ele também exige um processo de adaptação cultural, pois o ambiente de trabalho é uma fonte de aprendizado, bem como trabalhar de casa exige muita disciplina para que seja produtivo. Mas já é um grande passo no processo de evolução na relação de trabalho, mesmo que haja uma grande caminhada para que esse processo se consolide.
Outro ponto que vem crescendo nos últimos anos é a troca de uma carteira assinada pelos contratos de prestação de serviços, os chamados “pêjotas” ou serviços autônomos. Para muitos, o valor recebido é maior que o salário de um empregado, pois os encargos sociais e a carga tributária são divididos entre as partes. Quem adere a esse modelo deve se atentar que parte desse recurso recebido deve ser guardado para o futuro, contratar um bom plano de saúde, bem como ter um fundo de previdência, se não quiser passar por apuros em sua velhice.
Em síntese, o que podemos perceber é que, a cada dia, o velho conceito de “emprego estável” está diminuindo. No lugar, vem se consolidando o conceito de venda de trabalho, que deverá trazer valor agregado ao produto final. Organicamente, mesmo sem a consolidação de uma reforma, o emprego de “8h às 5h, de segunda a sexta”, está cada dia mais escasso e sendo substituído por contratos de prestação de serviços com produto entregue, escopo e prazos definidos a cada contratação.
Para que tenhamos mercado para vender nosso trabalho, precisamos tratar nossas carreiras como se fossem empresas, cujo capital social dessa companhia é o nosso conhecimento e experiência adquirida. Cada aprendizado que obtemos na nossa profissão é como se fizéssemos aportes de capital em nosso negócio. Essa forma de pensar se enquadra em qualquer profissão, desde aquela de alta especialização, até a atividade mais simples que realizamos.
Portanto, se pensarmos dessa forma teremos a garantia de “trabalho”, independentemente de uma carteira assinada ou de um contrato de prestação de serviços, o que tornaria a reforma trabalhista apenas mais um componente nesse processo evolutivo.
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